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sábado, 6 de abril de 2024

Perturbações de sábado às 09:30

Uma das características da modernidade é o forte sentido de indivíduo como centro de tudo. Eu.
O "eu sou" e "eu posso ser o que eu quiser" é uma coisa moderna. É algo do nosso momento histórico. Há 300 ou 400 anos atrás nós éramos o que nossas famílias eram. O sentido de eu possuia um significado comunitário e não falo isso entrando no mérito de bom ou ruim, é apenas um fato: você era o que seu ambiente permitia ser, você era definido por família, religião e comunidade. 

No momento atual, segundo as redes sociais que parecem ter se tornado um complemento da vida, você é o que você tem, o que você finje ter, você é o que você consegue consumir.

E conseguimos consumir muito. Tanto é que nossas relações se dissolvem facilmente, consumimos as pessoas como se fossem objetos. Queremos tudo pronto e todos prontos ao que esperamos ter em nossas relações (românticas e não-românticas). Qualquer divergência é motivo de isolamento, cancelamento e fragmentação. Visivelmente não estamos mais dispostos a debater e nos conectar com as diferenças nos nossos meios sociais. E isso é algo que me perturba e tem me perturbado há muito tempo. 

Para quem repara na minha forma de escrever, deve ter notado que eu sempre escrevo em primeira pessoa porque, apesar de refletir bastante a respeito, sempre chego a conclusão que sou produto do meio (e sou além disso também, mas é conversa para outro texto). Não vejo como eu poderia me ver de fora do que eu escrevo aqui. Eu vivo e sou parte do que eu escrevo.

Voltando a conversa doida que comecei...

Zygmund Bauman (1925-2017) falava sobre isso em Modernidade Líquida (2000). Líquida no sentido de volátil, adaptável e mutável aos mil estímulos dispostos para gente e a segurança praticamente inexistente nessas mudanças. Tudo é imprevisível, efêmero e raso. E por isso estamos tão confusos recebendo estímulos constantes das "mil coisas que poderíamos ser" mas a verdade é que jamais agarraríamos todas essas possibilidades em apenas uma vida ... nem se tivéssemos mil braços e 3 cérebros. Isso nos causa angústia, esse vislumbre das infinitas possibilidades nos causa angústia. O medo de escolher o caminho errado, a vida errada..a rua errada.. enfim

Parece que precisamos ser algo traçado e de muito sucesso aos 30 a qualquer custo, ou então viveremos uma vida de frustração.
Sendo que a maior frustração de todas é esta vida de competição imaginária e seleções cruéis do capitalismo moderno.

Inclusive, ser é um conceito que me perturba: não conseguimos ser e existir ao mesmo tempo. Nós estamos sendo, ou seja, somos um processo. Quem somos muda o tempo inteiro e nossos caminhos são incertos por mais que planejemos.
Viver essa vida de querer ser algo concreto é um caminho infeliz. Quem você quer ser e o que você faz para isso é muito mais importante do que quem você é. 

E tudo isso me traz ansiedade, essa abstração, sem objeto de ânsia. 

"Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?"

Fernando Pessoa 
SOARES, B. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Ática. 1982. 85p.

O que eu serei é um percurso e sua conclusão será vista ao final da vida que pode ser daqui a meia hora ou daqui a 60 anos. Não há motivos para se preocupar em concretizar o Ser no agora, no hoje. 

Está fora do nosso controle.

Falando em controle, eis outro fator de discussão cerebral (eu comigo mesma): É muito difícil aceitar a ideia de que eu só posso controlar as minhas ações. "Posso" entre muitas aspas, porque o impulso está aí e as vezes queremos satisfazê-lo. Aí entra a questão emocional e irracional dos sentimentos, onde sentimos coisas que não fazem o menor sentido, sabemos que não fazem e não podemos evitar sentir. Aí volta a questão da ansiedade. 


É uma (triste) rodinha de rato.


Acho que esse texto é triste e eu vinha evitando falar de tristeza aqui. Estou a meses carregando uma melancolia além da que já me é comum. Muito reclusa aos meus pensamentos ... desconectada do aqui e agora.

E agora me vem mais uma pergunta que vive martelando meu juízo:

O indivíduo é incompatível com a conexão?

Atualmente, somos individualistas? O eu importa mais do que o coletivo?

Nestes "devaneios tolos a me torturar" o que quero dizer é que a existência é complexa. Nos engessarmos em concretude, ignoramos o valor da ação e dos processos transitórios das nossas vidas pessoais e coletivas. 

Não se esqueçam amigos: se eu não sei onde eu quero ir, qualquer lugar me serve. E neste qualquer eu também me perco. Neste não me ver no outro, deste desinteresse e descarte que se intensificam nas relações eu me torno menos coesa a cada passo. Se fragmenta a sociedade. Se perde a sociabilidade. 

E a rodinha do rato gira cada vez mais rápido

O maior poder que se pode ter na vida, é o poder sobre si mesmo, dizem. E neste momento de esfacelamento da realidade e do que é a verdade, onde o que sobra pra gente de identidade coletiva é quase nada, eu me questiono cada vez mais onde está essa emancipação que a modernidade tanto prega. Onde eu me enquadro nesse ambiente de possibilidade que eu sempre quis ser?



Desculpem a conversa triste. Tem dias que sinto dificuldade de existir. 





terça-feira, 2 de abril de 2024

Ministério da Verdade: Cuidado! A Polícia do Pensamento vai te pegar!

Na onda dos títulos polêmicos ainda... perdão.

Resolvi criar uma série sobre os Ministérios de 1984
Falei sobre o temível Ministério do Amor aqui.

O de hoje é o aclamado Ministério da Verdade cuja a função era informativa, ou seja, mostrar aos cidadão de bem e famílias ligadas ao partido todas as maravilhas do Grande Irmão à comunidade.

"o Partido está na posse da verdade absoluta, e é claro que o absoluto nunca pode ter sido diferente do que é agora. Será visto adiante que o controle do passado depende, acima de tudo, do treino da memória. Garantir que todos os registros escritos concordem com a ortodoxia do momento é apenas um ato mecânico." George Orwell

Seu trabalho consistia em disseminar mentiras e manipular jornais e artigos já publicados. O inimigo mudava toda hora, que a guerra que já durava muitos anos mudava de país e que os prisioneiros eram sempre capturados e as vitórias cada dia mais incríveis e cinematográficas e ainda, apagar qualquer resquício de existência de qualquer pessoa do mundo em poucos passos.  
Um misto de manipulação cultural, moral e histórica. Que ia desde os resultados esportivos as notícias de produção às tropas nas trincheiras (que, convenhamos, talvez não houvesse nem tropa nem guerra nenhuma mas aí fica pra outra análise)

Era nesse ministério que trabalhava nosso querido protagonista, o Smith. O trabalho dele era receber, através de um tubo que ficava em sua mesa, pequenos comunicados, que quem os enviava ninguém sabe, e modificar informações do hoje e do ontem. Exemplo, se o Ministério da Abundância informasse que uma safra enorme de ração seria distribuída aos membros do Partido (sim, eles comiam ração) e a safra não fosse tão grande assim, os trabalhadores do Ministério da Verdade modificariam os jornais e comunicados antigos para provar que o que foi dito foi cumprido e o Grande Irmão jamais erraria ou faltaria com sua população. 

A propaganda era outro ponto importante para este braço do Partido. A verdade está na mente do ser humano e nada mais, ou seja, é possível mudá-la. Basta usar a linguagem correta e nisso eles eram mestres. Utilizavam textos em Novilíngua, sempre na edição mais atualizada com cada vez menos palavras e coisas duplicadas como "crimideia" ou "bempensante" . A intenção era não existir palavras realmente, pois se eu não posso falar sobre algo, aquilo simplesmente não existe. 
A comunicação é um direito, tal qual a educação. Mas em certas culturas, perdem a relevância. Usemos de exemplo nosso país, Brasil, onde 9,9%, ou seja,  mais de 20 milhões, da população não sabe se vai ou quando vai comer,  eliminá-la torna-se uma tarefa fácil. A verdade pouco importa, ninguém sabe nem se vai estar vivo amanhã. 
Neste ponto, percebe-se o quanto era fundamental um ministério assim, com boas novas, inimigos para que se possa odiar, entretenimento, violação de direitos e vigilância constante. A manutenção de quem e do que eram, não só o Partido como todas as coisas do mundo, vinham dele. E era necessário algo para garantir que ninguém falaria o contrário, é aí que entra a supressão máxima desse Estado ao seu povo: A Polícia do Pensamento.

A Polícia do Pensamento, ou melhor falando em Novilíngua: a ThinkPol, era a maior repressora do pior crime que se podia cometer naquela sociedade: pensar. 
Crimidéia, ou crime de pensamento, consistia em reprimir toda a ideia que poderia trazer qualquer atitude ou desconfiança aos atos do Partido. Eles vigiavam seus cidadão através de telas e escutas que estavam dentro das casas, nas ruas e em qualquer lugar onde menos se esperava. Ao menor sinal de desobediência civil muitos guardas poderiam invadir a sua casa e você nunca mais seria visto, lembrado ou mencionado. 
Não esqueçam "o pensamento é o ensaio da ação", tio Freud já disse, mas também vale lembrar que somos muito além do pensamento. O ato de pensar nos prepara para o que possa vir, nos torna únicos e criativos. Nos faz almejar coisas, desistir de coisas. Tudo isso pode se materializar e dissolver dentro da nossa mente e isso nos faz brilhantes e incríveis. Impedir o simples ato de imaginar nos transforma em algo oco e passível a qualquer atrocidade e capazes de cometer atos completamente absurdos.


***


O grande trunfo da mentira, da manipulação e distorção dos fatos é a necessidade que brota na nossa mente humana de querer dar um significado a tudo: acreditar em algo que nos transcende. 
Precisamos da fé em algo, pois nos é vendido que quem está acima de nós é um escolhido que exerce poder porque é mais forte, é dessa figura representativa onde está a inteligência e os meios para alcançarmos nossos sonhos.
Seus sonhos serão alcançados por alguém que vai te representar e aí você crê. É a hierarquização da existência onde se é preciso subir os degraus e este degraus não serão construídos por você, serão construídos por quem você supostamente escolheu para te representar, que é obvio que é mais forte, melhor e mais justo pra isso. 
O anarquismo é contra essa forma de existência e atuação política. Um dos princípios básicos do anarquismo, a horizontalidade, é uma oposição a ideia de que informações precisam ser sigilosas e privilégio de poucos. Não se faz revolução com meias verdades, sejam elas internas ou sociais. Um revolução social, como é o caso do pensamento anarquista, jamais seria possível em um formato de  cadeias de comando e obediência onde um líder comanda um projetos e os outros fazem o trabalho braçal. 

Vou deixar um vídeo para vocês da História com a Nil, sobre 5 características do anarquismo. 

Voltando ao Ministério em questão, não só publicar era importante, também era necessário acreditar. Uma fé tão fidedigna que faria inveja a qualquer deu$ a postos de ser adorado. 
Imaginem a tarefa árdua em mentir e acreditar naquilo a tal ponto que sua mente entrasse em parafuso e você já não soubesse mais quem mente: se é você, a mídia, a esquerda, a direita, a igreja, a sua mãe.. e por aí vai. Neste momento entra o mito da salvação, daquela figura representativa que jamais vai te trair, aquele ser fiel e concreto que está sempre com você. 


O grande salvador , no caso dessa história, era o líder totalitário Grande Irmão e toda a sua benevolência para com seus seguidores, na sua história não sei informar quem seja. Você sabe?


sexta-feira, 8 de março de 2024

8M

 


Não costumo falar sobre o 8 de março, pois é um dia de profunda reflexão pra mim.



Contudo, fazendo da escrita meu hábito de conversar comigo mesma, decidi dar corpo a este pensamento nesse textinho curto que não faz jus ao imenso peso histórico que deu origem a esse dia. Não trarei artigos educativos para tentar ensinar nada a ninguém. 

Neste dia, geralmente me calo e reflito sobre todas as mulheres que sacrificam suas vidas em prol de criar um mundo justo e igualitário e por toda a luta de classes que envolve o 8 de março. Admiro quem consegue se expressar com palavras contundentes e claras, mas eu não consigo, hoje não. Me sinto sufocada por, desde o século XX, se exigir o mínimo e ainda assim receber de volta tão pouco. Por ainda ter que falar "não" mais de uma vez. Por ainda precisar explicar o óbvio. 


Sempre foi um dia que odiei. Não diminuindo o contexto histórico e a origem de luta trabalhista deste dia, que inclusive se perdeu engolido pelo capital e o comércio, mas pelo fato que de que amanhã, quando pararem de vender flores nos semáforos e acabarem os "parabéns", eu voltarei a ser , para esta sociedade patriarcal, um objeto, uma cidadã de segunda classe.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024


 A resposta que a gente procura muitas vezes (talvez todas) está na nossa história. 

Não se diminuam por motivos externos. A nossa trajetória tem muito valor

Quem nós somos tem muito valor, nossos desejos e buscas coletivas e individuais tem muito valor.

Valorizem suas histórias e batalhas, elas são únicas e foram difíceis. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Ministério do Amor e a dissolução do coletivo



"O afeto é revolucionário"




No romance distópico 1984, de autoria de George Orwell, publicado em 1949, a história relata um cidadão comum, funcionário público, em um país fictício onde O Partido venceu a grande guerra que libertou a nação liderados pelo Grande Irmão (Big Brother). Essa sociedade, retratada na obra, é autoritária, controla a verdade, manipula a linguagem tornando-a cada vez mais simples e reduzida a poucas palavras, além de subjulgar os indivíduos à solidão para controlar as pessoas e manter o poder absoluto. 

Dentro dessa sociedade, onde o Grande Irmão assiste tudo e todos através de telas instaladas em todos os lugares, existem 4 ministérios que "cuidam" dos cidadãos: Ministérios do Amor, Ministério da Paz, Ministério da Verdade e Ministério da Abundância.

O Ministério do Amor é responsável por vigiar e punir os cidadãos dissidentes e buscam possíveis traidores, corrigindo-os por meio da tortura para que voltem seus ideais exclusivamente aos projetos do Partido. Ele persegue individuos que queiram fazer amigos, pessoas que mantenham diários e tenham "pensamentos livres" classificando toda ideia fora da cartilha do Partido com palavras curtas como crimi-ideia ou duplipensar, caçam quem quer que seja a falar de assuntos fora da esfera do Partido, ou ainda, que se interessem romanticamente por alguém e inclusive impões medidas disciplinares severas em casais que queiram fazer sexo que não seja para gerar filhos à nação. 

O nome do ministério é irônico, pois na história, ele é o mais cruel de todos. Ele tira a capacidade das pessoas de criarem laços, de formarem associações por interesse em comum e torna todos um inimigo em potencial, pois premia, com honrarias, quem denuncia traidores. 


A comunicação afetiva nos transforma individualmente e coletivamente.  
Quando falo em comunicação afetiva, não estou dizendo para falar tudo que vem na mente e conversar com todos, contar tudo sobre si mesmo e essas coisas superficiais. Que inclusive são perigosas
Comunicação vai além da fala objetiva, é um conjunto de ações que busca fortalecer e estabelecer laços emocionais e promover uma compreensão maior e uma real troca entre os envolvidos, e estes podem ser sua família, seus amigos, amigas e amigues, seus romances ou até mesmo um grupo de pessoas. 
Estar aberto a um diálogo onde você ouça mais atentamente, se interessar pelas pessoas, perguntar com um próposito de real compreensão, ter empatia e principalmente respeitar as emoções individuais e coletivas é crucial para manter ambientes saudáveis e manter a si mesmo saudável. 

A comunicação afetiva envolve a expressão sincera de emoções e nem todas precisam ser positivas.
Afeto não significa gostar, significa afetar e permitir-se ser afetado. Isso pode sim incluir demonstrações de empatia, gratidão e carinho com as pessoas mas também significa impor limites. Antes de gostar do outro é necessários gostar de si mesmo. 

E aqui entramos na questão do amor.
Aprendemos que amar é doar-se e nada mais. Aprendemos tarde, ou talvez nunca, que amar também inclui a si mesmo. Inclui respeitar-se. Só caminhamos à emancipação estabelecendo limites e não se esvaziando em prol de algo ou alguém. 
Fomos ensinados que o único amor é o romântico, o urgente, de filme.. que tudo tem que ser agora e tem que ser voraz, abandonar-se por completo e pra ontem!! Como se a vida fosse escapar dos dedos caso não acontecesse. 

Me cansei só em escrever.


Vi uma frase num muro que dizia 

"Te vejo livre, não domino;
Me vejo livre, não pertenço;
No fim das contas isso é amor."

Eu e meu companheiro conversamos muito sobre ela. Mandei a frase para ele há pelos menos uns 6 anos atrás, quando estávamos nos conhecendo mais intimamente, abordamos sobre nossas perpectivas em relação a estar com alguém e dividir a vida. 
Ter uma relação assim, onde o amor não sufoca, se respeita a individualidade e a liberdade de ser e estar me trouxe muitas coisas positivas sobre saúde mental, autocuidado, diálogo honesto e um profundo respeito pela autonomia. Busco levar o mesmo a ele e as pessoas ao meu redor. É nítido como essa nossa forma de se relacionar nos faz crescer juntos e sonhar juntos sobre um futuro mais harmonioso abrangendo também as pessoas que estão conosco na vida. 

A ideia de posse e domínio é rotineiramente questionada e combativa nas nossas vidas, entre nós e nos nossos ciclos de amizade também. 

Simone de Beauvoir, no livro O Segundo Sexo, expõe as lógicas de dominações presentes dentro desta noção de "amor" cujo o objetivo é a validação e que a sua identidade só pode existir vinculada à alguém. Isso afeta principalmente as mulheres tornando-as passíveis de subordinação e impedidas de experienciarem outras formas de amor e afeto. O livro é bem mais aprodundado do que isso que destaquei, mas essa parte tem muito a ver com que quero abordar aqui.

As relações tornando-se superficiais nos impedem de imaginar um futuro coletivamente positivo, onde homens e mulheres podem viver uma equidade social, individual e afetiva.
Nesta noção, que vou chamar aqui de amor-prisão, o entendimento de si mesmo e do outro pouco importa, a necessidade e a vontade do outro pouco importa, a relação se torna uma busca incessante por ser algo através de alguém. E na sociedade do capital e do cansaço, que vende a ideia de que se pode ter tudo e ao mesmo tempo não temos nada toda relação é de uso e desuso onde a interação só se baseia em interesse social e material e isso, coletivamente, nos divide. 

Voltando a instituição governamental fictícia de George Orwell, o Ministério do Amor combatia com mãos de ferro as relações interpessoais. 
Proibir o amor e as relações de afeto enfraquecia as pessoas, isolava-os e os limitaria a vidas solitárias sem experienciar os laços de lealdade. Toda fidelidade se direcionaria ao líder supremo e nada sobraria para os grupos sociais, nem mesmo para si. O controle emocional é uma das muitas maneiras de submissão, estratégicamente uma garantia de poder e mantem a passividade e a conformidade dos indivíduos dentro de uma sociedade cruel, limitante e totalitária. Suprimir relações afetivas com seus amigos, família, entre sexos e gêneros diferentes e outros diversos grupos é uma tática que cria um ambiente hostil, de medo, subserviente, que vai corroer toda a capacidade de resistência e promover desconfiança nos afastando cada vez mais de nossa emancipação coletiva. 




As ações do Ministério do Amor e sua existência são fictícias, qualquer coincidência com a realidade é mera semelhança.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Pensamentos sobre liberdade e autogestão

Quando nos vermos em uma circunstância onde nos sentimos intimidados e descrente de nós mesmo por não se encaixar em algo, não é a falta de adequação que nos perturba mas sim a nossa opinião sobre nós mesmos. 
Qualquer evento externo (que não parte de nós) é algo neutro. O peso dele se dá pelo valor que damos a isso. Não há valor positivo ou negativo é apenas um fato. 
Convido você que lê esse texto e que passou por algo onde se sentiu insuficiente ou rejeitado que visse essa situação apenas como uma resposta ou uma perspectiva diferente, uma oportunidade de auto aprendizado e para seu auto conhecimento, onde aqui posso incluir o conceito de auto gestão tão presente e difundido dentro no anarquismo, afinal a auto gestão significa muito mais do que uma sociedade sem políticos e partidos.  

A auto-gestão anarquista é a afirmação de que somos capazes de nos organizar de maneira justa e equitativa, sem a necessidade de autoridades externas ditando nossos passos.

Como autoridade externa podemos considerar toda e qualquer coisa que nos imponha um tempo, uma regra ou uma conduta na qual não estamos dispostos a obedecer.

No coração da auto-gestão anarquista, a autoridade é substituída pela autodeterminação, e a ordem surge da colaboração espontânea, não da imposição externa. Portanto camarada, seja fiel a si mesmo, aos seus valores e ao mundo que você queira criar. Provavelmente não veremos esse mundo pronto, talvez ele nunca exista mas não se sinta desmotivado ou fraco. A resistência não é apenas um ato, é um estado de espírito anarquista que se manifesta na recusa persistente de se curvar diante de quaisquer agressão a nós mesmos.


"Tua liberdade estende a minha ao infinito "(Mikhail Bakunin)



terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Bilhete para Julieta


Olá Julieta,



 

Não nos conhecemos, mas poderíamos ter nos conhecido. Tenho certeza que você iria sorrir para mim. Segundo constam todos os relatos sobre você, é unânime o quanto você era alegre e contagiante. O mundo é imenso, árduo e bonito e você teve a coragem de viver a vontade que muitos tem de ser livre sobre duas rodas, de viver da própria arte e colecionar amigos pelos lugares que passou. Queria que sua recompensa fosse receber toda alegria que você espalhou por aí de volta para você, mas o mundo é cruel com as pessoas livres. Eu jamais direi a atrocidade de que "mulheres não podem..." qualquer coisa. Você podia e você foi e ninguém vai tirar isso de ti. Que sua história jamais se apague e que o que você espalhou pelo mundo se propague como uma chama incandecente e luminosa que vai brilhar para todos aqueles que assim como você querem apenas viver. 



 Em memória de Julieta Hernandéz e dedicada a todos os ciclistas e viajantes  do mundo.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Capitalismo e a relação com a dominação

 O capitalismo se ampara em dois pilares: violência e dominação. 

Padrões de violência que vivenciamos dentro do sistema capitalista vão além de relações de exploração de trabalho. Eles são incorporados em todos os ambientes da nossa vida. Quando se vive em uma sociedade onde tudo é uma mercadoria ou um inimigo a ser combatido, nós hierarquizamos as nossas vidas e em todo lugar a dinâmica de dominação e submissão acontece. 



Para tornar um mundo possível de se viver é preciso, no mínimo, imaginar que uma relação verdadeiramente igualitária e horizontal possa existir, é preciso abandonar a propriedade privada dentro das amizades, a lógica de disputa entre nosso grupo e principalmente a lógica de coerção e violência dentro das nossas relações. 


(A)

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Pequenos Contos Cotidianos #1

Passei um tempo indo a consultas com uma psicóloga recém formada que ainda não tinha sido estragada pelo mercado de trabalho. Gostava dela. Gosto ainda. 
Ela tem um olhar clínico para as coisas e principalmente pra mim e vez ou outra me desafiava, me provocando ideologicamente. Eu gostava disso porque amo brigar uma briga construtiva. 

Tinha uma coisa que ela falava que eu demorei muito a concordar. Não sei se concordo. Me pego vez ou outra pensando sobre. Ela falava assim "você parece muito emotiva, mas não é verdade. Você é muito racional e isso atrapalha a sua vida."

É bem verdade que sou muito racional sim, leio ambientes e pessoas muito rápido e geralmente tenho razão quanto a essas observações. Reflito frequentemente sobre situações que eu passei com medo de que elas se repitam e acredito fielmente que podemos controlar nosso ambiente sem muito esforço. É só saber entrar e sair, isso garante qualquer retorno. Só que eu nunca sei a hora de sair de cena, a hora de deixar de falar e principalmente eu não consigo aceitar as coisas como ela são. Nesta sociedade nas periferias do capital isso é um mal gigante.